terça-feira, 6 de abril de 2010

Onda flash mob invade o mundo


SÃO PAULO - Uma nova forma de comunicação artística ou uma “Maria vai com as outras” pontocom? O fato é que a onda de flash mobs – algo como mobilização relâmpago – invadiu as principais capitais do mundo. Organizados por e-mails, os mais comum são as listas de discussões do yahoo groups, jovens marcam aparições relâmpagos em um determinado local, executam uma encenação lúdica – como comer uma banana em uma lavanderia - e somem na multidão. O propósito é não ter propósito.

“Acho que o que fascina nesse tipo de coisa é o inusitado, participar de algum movimento [sem conotação política ou social] que é organizado com o simples objetivo de causar alguma surpresa em algum ponto da cidade. Estamos tão acostumados com nossa rotina que fiquei interessado em fazer algo que quebre totalmente isso”, conta o estudante Leandro Meireles Pinto, que participa de uma lista de discussão na web sobre o tema.

O primeiro flash mob no mundo foi realizado em Nova York, há pouco mais de um mês e organizado por um internauta chamado Bill. Cerca de 100 pessoas entraram no 9º andar da loja Macy´s, localizada no centro de Manhatan, e ficaram apreciando os tapetes expostos à venda no local. Do mesmo modo que eles apareceram na loja, a multidão se separou. A ação foi noticiada em blogs (diários virtuais) na Internet e ganhou escala.

Em 13 de julho, o número de incidências da palavra “flash mob” no site Google, maior site de busca da Web, era de 1,21 mil. Um mês depois, em 13 de agosto, a mesma busca registrava 46,1 mil urls com o termo. A febre possui um glossário e até um “manual” de iniciação ao movimento na internet. O site www.flashmob.info define as principais termos usados pelo mobs como “squealy” sendo alguém que não entendeu o movimento e resolveu avisar as autoridades. Ou o “moberator”, que seria o organizador e artistas por trás do movimento.

A popularização do flash mob também originou uma linha do tempo do movimento. Segundo o criador, em setembro os eventos contariam com a presença de camelôs vendendo camisetas com as palavras: "Meus pais participaram de um mob e tudo que ganhei foi essa camiseta porcaria". Em novembro, aparecem os primeiros mobbings patrocinados e, em dezembro, revistas estréiam com anúncios para dezenas de itens da cultura flash mob. A morte acontece em abril de 2004, com um documentário "A Mighty Mob" ("Um Possível Mob") sobre a era de ouro do movimento.

Enquanto a linha do tempo sugerida ainda não se concretiza, existe um grupo de pessoas que estão planejando uma versão ao contrário do movimento, apelidada de antimob. Ao invés de reunir pessoas em um lugar para um período breve de tempo, o projeto do antimob procura explorar o vazio. O terminal da Estação Central, em Nova York, sem ninguém às cinco horas da tarde em um dia útil é um dos exemplos sugeridos pelo grupo na lista de discussão no Yahoo.

Multidão inteligentes

Uma das fontes inspiradoras do flash mob é o livro do escritor Howard Rheingold, “Smart Mobs: The Next Revolution” (“Multidão Inteligente: A Próxima Revolução”), lançado no final do ano passado. Um dos maiores experts em tecnologia da informação, Rheingold é reconhecido como a pessoa que previu na metade da década de 80 que o PC (Personal Computer) seria essencial na vida das pessoas. Alguns anos depois, quando a internet ainda engatinhava, Rheingold novamente foi apontado como o primeiro a afirmar que o “mundo virtual” teria impacto imediato no mundo real.

Em entrevista por e-mail ao Último Segundo (leia a entrevista), Rheingold defendeu que combinados os impactos sociais e econômicos da internet, computadores pessoais e revolução das telecomunicações, estamos chegando em uma nova forma híbrida comunicação. “O poder dos PCs e da net escapou do desktop e pulou aos nossos bolsos”, diz.

O conceito de movimentos inteligentes (smart mobs) é baseado nas experiências do autor em cidades em que tornou freqüente o uso de mensagens de texto para se organizar algum evento de forma instantânea. Durante o encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Seattle, Rheingold notou que manifestantes antiglobalização utilizavam mensagens de texto para planejar protestos e montar blitze para monitorar os locais onde bombas de gás lacrimogêneo eram lançadas. O mesmo expediente foi utilizado por filipinos durante o processo que culminou com a queda do presidente Joseph Estrada.

Para Rheingold, independente do caráter político ou apolítico, o mais importante é que os jovens estão aprendendo como usar a Internet e a comunicação móvel para organizar ações coletivas. “Flash mobs são meios de entretenimento organizados por si mesmos. Como milhões de pessoas que jogam games online, flash mobbers estão criando ativamente sua própria diversão de maneira criativa ao invés de apenas comprar uma ficha, ficar na fila, e passivamente experimentar o ‘entretenimento enlatado’ que lhes é vendido”, conclui.

O filósofo Hakin Bey é outro que exalta os poderes da Internet como uma nova forma de mobilização social. De origem um tanto quanto obscura, mas cultuado entre a comunidade virtual e ativistas de esquerda, Bey criou o conceito Zonas Autônomas Temporárias (TAZ, sigla em inglês). As TAZ seriam espaços virtuais ou do mundo real usados para levantes momentâneos. A idéia é que os espaços sejam ocupados para uma manifestação relâmpago sem qualquer objetivo ou até para uma ação de guerrilha. Outra característica é que antes que os agentes do Estado intervenham, o movimento se disperse.

“O flash mob também é uma espécie de TAZ. Além disso, o flash mob é uma ação de mídia tática. Ou seja, é um movimento contemporâneo que está na fronteira entre arte, comunicação, tecnologia e política”, diz o professor de Comunicação Social da PUC-SP, Silvio Mieli. Para Mieli, os mobbings recuperam uma prática que, na origem, já se realizava entre os dadaístas, surrealistas, depois seria recuperada nos happenings e nas performances dos anos 60. “Acho que o simples ato em si já tem uma forte carga política, principalmente pela sua dimensão lúdica, dramática e acidental”, conclui.

Performances lúdicas

Nos últimos dias, as aparições do mobs foram as mais inusitadas possíveis. No Japão um grupo simulou uma das cenas do filme “Matrix Reloaded” (veja vídeo). Em Roma, os participantes ocuparam uma livraria e ficaram fazendo perguntas ao balconista sobre um livro inexistente. Em Londres, a turba entrou em uma loja de tapetes e com os telefones celulares em punho elogiavam as tapeçarias do local. Em Berlim, as pessoas foram convocadas para comerem uma banana em uma loja de departamentos.

A percussora Nova York foi palco de outros dois eventos “famosos”. Em um deles um grupo imitou o som emitido por uma ave e simulou movimento da galinha em pleno Central Park. No outro, uma multidão invadiu uma loja de brinquedos e reverenciou um dinossauro de brinquedo.

Nesta semana, o Brasil também entrou no círculo. Um grupo denominado Arte Contemporânea (Arac) organizou uma encenação de pessoas no cruzamento da avenida Paulista com a rua Augusta. Pontualmente às 12h40, como havia sido combinado por e-mail, o grupo atravessou a principal avenida de São Paulo pela faixa de pedestres, tirou os sapatos e bateu contra o chão. Segundo um dos organizadores do evento, o artista plástico Eli-Goland, 30 anos, a performance foi escolhida para atingir o maior número de pessoas. "Tirar o sapato é um ato individual, onde uma pessoa de 80 anos pudesse realizar, sem que um participante se destacasse na multidão", explica.

Apesar de ser a primeira manifestação do gênero no Brasil, a flash mob realizada em São Paulo despertou uma série de críticas na Internet. A primeira é sobre a cobertura da imprensa. Cerca de 40 minutos antes de realizar a performance, um batalhão de jornalistas já aguardava o público. Após a encenação, os participantes permaneceram no local e deram uma série de entrevista. Por último, o evento contou com um “que” político. Alguns dos manifestantes levaram cartazes com os dizeres: “contra burgês, baixe MP3”.

"A idéia foi fazer um flash mob dentro da flash mob. Estava antecipado [na imprensa] como ia ser feito e queríamos fazer algo diferente", explica o programador Aleksandro Botelho, um dos que "hackearam" o evento. No entanto, a polêmica sobre a “pureza” do movimento não atingiu os participantes, que se mostraram preocupados em serem os primeiros do Brasil. “A mídia neste caso atrapalhou, pois já esperavam que acontecesse algo naquele local e os manifestantes (MP3) não levaram a brincadeira a sério, fazendo protesto para algo. Mas com certeza nós conseguimos o que queríamos!”, anota o manifestante Marcelo Cabrera.

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